Peço que estejamos juntas. Onde quer que estejamos: juntas.
Peço que estejamos aqui: direções que não têm destino único, caminhos que se movem em todos os sentidos ao mesmo tempo. Não estamos indo para a frente, nem para trás, nem de um lado para o outro — estamos em constante travessia.
Peço que desafiem a literalidade. Que desafiem a localidade. Peço que sopremos, juntas, algum mistério no ouvido umas das outras — eco antes mesmo do som.
Peço que ouçam o ruído e a intuição. Riscamos palavras sobre o papel — quais rumores nos encontram? Quais traduções, quais renúncias serão necessárias?
Peço que se lembrem: aquilo que deve ser reparado é irreparável. Nosso trabalho é força contraditória e paradoxal.
Peço que teçam a escrita como quem afirma presença, como quem se dissolve no espaço. Como quem pode estar em todo lugar.
Comecem escolhendo um canto de silêncio, onde as sombras acolham sem tantas perguntas. As palavras encobrem. Por sobre elas, há histórias que pouco ou nada dizem sobre nós. Ainda assim, é nesse espaço que inventamos possibilidade.
Vocês também sentem a urgência de tocar a palavra? Também a sentem como matéria tátil? Como acontecimento que vibra? Também sentem — agora — essa inquietação?
Pronunciem nomes lentamente, como se fosse a primeira vez, sussurrando sons para o espaço entre as coisas, para o ar contido nas imperfeições de cada superfície, para a linha tênue entre o dia e a noite. Será que estamos suficientemente acordadas? Qual é a palavra que devolve o fôlego ao corpo? Quais são as formas de que precisamos para continuar a imaginar?
Escrever é uma revolta silenciosa — uma insurreição sutil que se alia à radicalidade do que ainda não existe. O que não podemos ter acontece o tempo todo. Agora mesmo.
Escrever é sempre um gesto inacabado, uma forma de vida. Escrever é compor mundos e desfazê-los — abrir interstícios nos modos admitidos do comunicável.
Cada letra é, ao mesmo tempo, um passo para fora e um passo para dentro do mundo. Escrever nos coloca tão profundamente no mundo que ele parece esquecer-se de nós para, então, depois, lembrar-se de nós com ainda mais força.
Cada grafia carrega camadas imensuráveis de outras grafias. Escrever é experiência — experimento que envolve coração, cérebro e mão. As curvas das letras são magia, e um dia alguém nos ensinou esse encantamento.
Quem nos ensinou a escrever? Quem nos ensinou esse gesto? O que ainda vamos aprender? O que ainda vamos ensinar? Onde estão os limites entre corpo e texto, entre movimento e linguagem? O que ainda iremos criar?