Seis cânticos para pessoas sem voz


1.

não sentir medo
nem andar com pessoas
que sentem medo
não subir na serra
para respirar puro
lutar por puro
na cidade em que você mora


não invejar


o voo dos pássaros
o sono das plantas
a luz do sol


brilhar no escuro
do apartamento


2.

não chamar de amor

quem você deixou de amar

cuidar da cabeça

como quem segura um bebê

pedir ajuda

medir as palavras
dançar com apenas

um demônio de cada vez


3.

na sala as crianças correm

no quarto os velhos falam sozinhos

na empresa os jovens empalham revoluções

da sacada é possível avistar

milhares de sonhadores cegos

andando em círculos

eles têm os mesmos sonhos

mas jamais se encontram

para sonhar coletivamente

porque tempo é dinheiro


4.

um homem sem amor

é um espantalho

dois homens sem amor

são dois espantalhos

dez homens sem amor

formam um pelotão de fuzilamento

hoje ainda é quarta

capitão


5.

escrever é como sonhar de olhos abertos 

sonhar é como escrever dormindo

se criar é governar a loucura

ou você faz planos

ou você faz arte


6.

não cobiçar a mortalha de mestre

não virar um velho chato

viver como quem está vivo

até o final

Pablo Picasso, Guernica, 1937


Um filme: Nove rainhas (2000), de Fabián Bielinsky, é um dos filmes da minha vida. Uma impagável película sobre dois pilantras argentinos, mas que poderia ser ambientada no Brasil.


Um livro: Fup, de Jim Dodge, é um pequeno grande livro. Um insólito e divertido conto sobre bêbados e jogadores.


Um artista: Anselm Kiefer é o pintor que mais me encanta dentro do cenário contemporâneo. Delicado e forte, invariavelmente de grande formato, o trabalho deste alemão transita entre a pintura e a escultura, e está à frente do seu tempo.



Um abraço,


André Dahmer