4. O mesmo vale para o artista ou atleta, que é um provedor de alegria: é o que explica o David Luiz ter chorado no final do 7x1: ele não pôde fazer o povo dele feliz.
5. Qual alegria é sua, como é ser alegre à sua maneira? Não me conte.
6. Deve ser bom ser você mesma por completo em tudo o que você fizer (“Põe quanto és/ No mínimo que fazes”, Fernando Pessoa). Não é sempre fácil estar à altura de quem você é, mas o esforço confere dignidade. Faça o possível para não virar uma caricatura de você mesma. Muitos textos são indigestos porque o autor os escreveu num tom de “agora o adulto chegou”. Mas a gente desconfia que ele só é adulto no mau sentido. Enfim, isso não é uma forma de alegria.
7. Você nunca vai saber quem você é por completo. Por isso, tente fazer coisas que pareçam não ter a ver com você. Escreva numa língua que você não domina. Toque clarinete. Passe horas jogando Candy Crush deitada no tapete da sala.
8. Traduzir é uma maneira de aquecer os músculos da escrita. É tão bom para uma escritora traduzir quanto deve ser bom para um músico tocar uma peça que ele não precisou compor.
9. Trabalhar em cafés pode ser útil, mas o café está muito caro, e se você quer se dedicar à arte, vai ter que driblar a instabilidade financeira (provavelmente). É bom ser inteligente com o seu dinheiro. A ansiedade de não ter dinheiro pode comprometer muito a sua capacidade de se concentrar e criar. O tédio não é um problema em si, mas o tédio gerado pela pobreza é.
10. Glenn Gould, que foi um grande pianista, descobriu que tocava melhor quando tinha alguém passando aspirador do lado dele — ele não podia ouvir o que ensaiava, só ouvia a música mental sugerida pela movimentação dos dedos nas teclas. Se você não tiver acesso a esse luxo, ou não quiser impor essa tarefa ingrata a alguém, se afaste um pouco do piano e passe aspirador você mesmo, e deixe a imaginação tocar piano dentro de você.
11. Lave muita louça. Trate isso como se fosse uma espécie de luxo.
12. Lição de vida: aprenda a usar crase, ame a crase.
13. Não fique preso só à arte que é feita hoje. Vá atrás de coisas maravilhosas de outras épocas, de outros lugares, até descobrir o que, para você, é o maravilhoso.
14. Criar é ficar amigo das suas ideias.
15. Não se apaixone pelos seus problemas. Seus problemas sozinhos não fazem de você um artista melhor ou mais profundo.
16. Às vezes o que é tido como importante num dado momento, ou que é polêmico ou muito grave segundo uma quantidade grande de pessoas, não passa de falta de autoconhecimento por parte dessas pessoas que propagam o sentimento de indignação. Se elas se observassem, talvez veriam que o problema delas foi ter dormido pouco naquela noite, ou simplesmente ter baseado a própria vida em critérios que não fazem muito sentido. Não deixe a infelicidade alheia te tirar do prumo.
17. Mas saiba que a tristeza, a insegurança e o medo vão te visitar, o que não é ruim. Mas se a visita se estender, vale lembrar do que o Robert Burton, um autor inglês do século 17, concluiu depois de dedicar anos de sua vida a escrever um livro enorme sobre a melancolia. Ele encontrou um só conselho para driblá-la: “Não fique muito sozinho, não fique muito à toa”. Tatue essa frase no seu cérebro.
18. Existe uma antiga lenda chinesa que fala de um pintor perseguido por um tirano. Para escapar, o pintor desenhou uma paisagem de rios e montanhas e entrou na pintura. Ele se escondeu atrás da curva de uma montanha e nunca mais foi visto.* Se você quer ser uma pessoa que cria, é porque as coisas que já existem no mundo não te satisfazem. Crie então um lugar novo, um lugar que não existia antes. Você vai saber que conseguiu o que queria quando perceber que é para dentro de sua arte que você pode escapar e ficar a salvo — mesmo que por alguns instantes — de qualquer tirania, inclusive a sua própria. Se serve de refúgio para você, vai servir para mais gente. Isso também é uma forma de generosidade.
19. Diante da folha em branco, todo mundo é amador.