| Digito estas palavras no banco arriado de um carro. Duas fileiras intermináveis de automóveis estagnados me cercam, muitos deles desligados, de tão longa que está sendo a demora. Não sabia que, por conta das obras na serra que corta meu caminho, a estrada fecha do início da tarde até as 15 horas. Pelos próximos 60 minutos, não há nada a fazer além de esperar (e refletir). Estou indo para um pequeno Airbnb no meio do mato, um chalé charmosinho onde passarei uns dias offline para escrever. O caos cotidiano, as notificações no celular, os afazeres gerais interditam meu processo de criação de maneira sufocante. Preciso dos próximos dias longe da cidade, dentro do silêncio. Minha única rede será uma de pano. O clima está cooperando. Aqui no Rio, há uma chuvinha gostosa e muitas nuvens pesadas no céu. Costumo me retirar pelo menos uma vez ao ano. Nesses momentos, renasço. A arte feita por pessoas humanas é também singular. Posso mergulhar em mim mesmo em busca da minha arte sempre que quiser. No entanto, o raso não tem mais compensado. Para extrair algo que me agrade de verdade, preciso sofrer um pouco. Mesmo que seja um diálogo feliz, ou a escrita de um roteiro de comédia (estou trabalhando em um), devo sofrer um pouco se quiser me orgulhar do resultado, simplesmente porque extrair uma parte de si nunca é uma tarefa indolor, insensível. Cortar fora um pedacinho de algo que você viu, uma impressão, uma ideia, um jeito de observar o mundo, ou até uma lembrança, uma recordação traumática, uma piada interna, uma cor, um espectro, uma saudade: explorar nossa arte exige um pequeno sacrifício. Um mergulho às profundezas de si mesmo exige coragem, preparo e esperança de que, alguma hora, você vai emergir para contar uma nova história. Essa mesma que você extraiu. Um dia, você vai exibir a pedra que encontrou e poliu. Se for valiosa, não virá tão fácil, acredite. Odeio quando os barulhos do mundo e suas urgências me trazem à tona antes da hora. As interdições que nos chamam de volta merecem, às vezes, gritar sem serem ouvidas. É por isso que, em alguns momentos, preciso me afastar. Para extração. Ser um artista é, um pouco, perceber as versões de você desconhecidas pelo outro, dar ouvido a essas versões. Atenção e carinho. Sem nutrição, nossas versões livres atrofiam e morrem. Combinemos de não atrofiar. Alimente o artista que há em você. Planeje ir para um lugar simples. Ou sacuda a poeira e crie um ambiente mais propício. De vez em quando, é bom ver gente nova, ouvir novos sons, arriscar outros tons, passar um tempo fazendo nada para, então, deslizar para dentro de si mesmo confortavelmente a fim de sofrer e extrair novas pedrinhas. | | | | | Léon Bonnat, The Barber of Suez, 1876 |
|
|