Querido,


Se você sente anseio em produzir, deve se preparar para uma viagem em direção a si mesmo. Não há outra forma de conhecer os caminhos do mundo a não ser pela experiência. No começo dessa trajetória, a parte mais importante é nutrir a curiosidade, o ímpeto aventureiro de seguir sem saber o que irá encontrar.


Sim, você irá lidar com incertezas, talvez seja útil alguém já te avisar sobre isso. É que há muitos mitos rondando por aí contando uma história de que, para criar, você precisaria decidir onde quer chegar e trabalhar para estar lá o quanto antes. No primeiro instante, esse pensamento pode parecer certo. Entretanto, ao meu ver, é incompleto. A maioria das narrativas esquecem uma parte muito importante da história: é preciso saber abandonar objetivos no meio do caminho, tanto quanto persistir.


Ao experimentar, você poderá dar passos a partir do que desperta interesse. Isso é tão importante quanto saber deixar para trás o que não faz sentido, e é igualmente relevante saber que tudo pode ser recuperado.


Penso que esse período inicial de experimentação não deve ser confundido com falta de foco, e nem levado de maneira negligente. Testar é essencial, pois idealizamos muitos fazeres que se revelam com outras qualidades quando partem da mente para a concretude. Com atenção e envolvimento, suas passagens irão construir cada vez mais repertório e, por mais que em algum momento possam parecer perdidas ou descontextualizadas, são partes que estão compondo suas decisões.


Acredito que realizar essa costura integra nossa atividade ao longo da vida toda. Por isso, é preciso aprender com envolvimento, sem se preocupar tanto com uma aplicação imediata, pois você pode resgatar repertório de muitas fases da vida. Isto é, muitos e muitos anos depois, de maneiras que você é incapaz de conceber agora.


Não é preciso uma preocupação exacerbada a respeito do que está levando consigo, apenas viver de maneira atenta, aproveitando com intenção os momentos, sem excesso de apego.


Com isso, também quero enfatizar a questão do tempo e o quanto a perspectiva linear pode ser destrutiva, pois nos ensina que o que você viveu já se foi e o futuro é incerto. Compreender que o passado está construindo nosso chão de amanhã e que podemos retomar os conhecimentos adquiridos é uma perspectiva mais generosa e fértil.


Nesse sentido, cabe falar sobre a concepção de erro, a fim de dissolver o drama de certas escolhas ao longo da vida e a sensação de estarmos abandonando para sempre algo que nos atravessou em algum momento. Na maior parte das vezes, esse termo está relacionado a um julgamento de valor, geralmente negativo, sobre algo que não saiu como esperado. É visto como uma falha, um desvio da norma.


Falar sobre errância é transformar essa palavra em abundância, pois nos permite transitar sem estar negando de forma radical paradigmas ou situações, mas compreendendo o movimento inerente à vida. Nos referimos ao ato de vagar, de explorar caminhos sem necessariamente ter um destino fixo. É um processo de descoberta, de experimentação, que abraça a imprevisibilidade e as possibilidades que surgem durante o percurso.


Sei que desejamos aplicar conhecimentos no agora, mas saberes mais profundos são construídos ao longo do tempo, e eu acredito que pensar em nossa vivência de maneira ampliada pode nos trazer mais tranquilidade que aflição. É um convite para nos conectarmos com nossos ideais em vez de idealizações  vejo nesse paradigma a oportunidade de descobrirmos nossa identidade para além de um produto ou outro. Isso é sustentável e traz confiança para não desistirmos, pois nutrimos a consciência em um pensamento maior que nós. Quais mistérios me instigam ao produzir arte?


Com o tempo, acredito que vamos aprender cada vez mais a nos provocar e aproveitar os desafios como estímulo para essa construção de saberes que acontece dentro da gente e, aos poucos, vai se expandindo para outras partes do mundo. Se eu posso te dizer algo que me encanta é que cada um de nós, viventes na Terra, temos um papel fundamental e insubstituível. Mal posso esperar pelo que você vai aprontar por aí. Saiba que o ato de você estar lendo as minhas palavras me traz muita esperança.

Hanz Ronald, No tempo do vendaval, 2024

Um artista: Pepi Lemes. Meu amigo que me ensinou que "pode tudo, mas não pode de qualquer jeito".


Um livro: Ensinando comunidade: uma pedagogia da esperança, de bell hooks. Reflexões sobre espiritualidade e a busca pela integridade do ser.


Um filme: Meu amigo Totoro (1988). Memórias de infância que inspiram fantasia nos meus desenhos.


Te desejo sorte e coragem!


Helena