Querido,
Fiquei alguns dias remoendo suas palavras, pensando se sou a pessoa adequada para responder sua carta, pois frequento muito esse lugar da insegurança — inclusive, olá, é deste lugar que te escrevo! Estamos juntos. Seus questionamentos também são meus. Além disso, apesar de toda experiência acumulada, considero que estou no início da minha carreira. De certa forma, é sempre o começo quando o seu trabalho se torna explorar o desconhecido.
Significa, sendo bem sincera, que não importa quantos livros eu consiga publicar, tenho dúvidas se vou conseguir terminar o próximo. Olho para o livro no qual estou trabalhando agora e me pergunto se será mais uma tentativa que foi "quase". Será que todo esse trabalho que estou tendo vai se transformar em algo que valha a pena derrubar umas árvores para ver impresso em papel?
Há dias em que a frustração me derruba. Há dias em que desejo ter uma vidinha sossegada em que eu não tenha sequer um livro dentro de casa. Chega de livros, chega de palavras, não aguento mais seguir essa carreira que mal paga minhas contas! Então, no dia seguinte, mordo a língua, engulo o drama e volto a escrever. Por que raios insisto nesse negócio de fazer literatura?
Lembro de uma cena que podemos aqui chamar de início: meu pai trazendo o primeiro computador para casa. Um Pentium 133 usado, monitor de tubo, que se tornou para mim uma janela para o mundo. Na época, eu tinha uns 13 anos. De todas as possibilidades que aquele aparelho oferecia, a que mais me atraía era digitar e ver minhas palavras aparecerem na tela. Comecei a escrever meus livros ali. Até então, eu preenchia cadernos e mais cadernos com minhas histórias, escritas ou desenhadas.
Passei a comparecer diante do teclado religiosamente aos sábados de manhã, que era o meu momento de usar o computador, compartilhado entre toda a família. Na época, eu escrevia em um editor de texto no DOS, desconectada da internet, que só podia ser acessada depois da meia-noite para a conta de telefone não vir uma fortuna. Lembra quando havia hora para entrar e sair da internet?
O que me movia para esse compromisso era uma alegria, um prazer de comparecer diante da história. Reler o que eu tinha escrito e então tentar descobrir: o que acontece agora? Virou uma espécie de ritual, que carrego até hoje. Meu pai me inspirou muito nisso. Desde pequena, via ele sentar no quarto dos fundos com sua máquina de escrever, martelando palavras bonitas no papel. Ele nunca deixou de escrever poesias, mesmo tendo um trabalho formal, a família para cuidar, as demandas da vida cotidiana. Embora não tenha feito da literatura uma profissão, ele continua a escrever até hoje, depois de aposentado.
Há certa dose de loucura nessa insistência, não vou negar. Claro que as motivações externas ajudam a nos empurrar para frente: ter alguém que torça por nós, receber validação do mercado, de outros artistas, de leitores. Mas depender delas é perigoso. Porque uma hora acabam. Uma hora, você terá pessoas torcendo contra você, ou achando o que você faz uma porcaria. Se não vier de dentro de você o motivo para continuar, dificilmente você as encontrará do lado de fora.
Para mim, a repetição de uma prática é importante, mas, sem coração, a repetição se torna um ato mecânico. Você vira um robô. O que me move a voltar todos os dias para esse ritual com a escrita é a curiosidade. Só tem funcionado para mim, até agora, porque vejo a arte como ferramenta para fazer perguntas. Por que o mundo funciona assim? Por que as pessoas se comportam dessa maneira? Desde que aprendi a contar histórias, uso os personagens para responder a essas questões. E a vantagem das perguntas, meu querido, é que elas não acabam. Posso até ficar sem ideias, mas nunca sem interrogações. Não sei para onde ir? Faço uma pergunta.
Tenho seguido o lema de substituir ansiedade por curiosidade. Posso estar à beira do surto; vou tentar parar, olhar para o que está me apavorando e perguntar: por quê? Como saio dessa? O que acontece agora? Vem cada ideia boa para texto daí.
Então relaxa: a insegurança não some conforme o tempo passa. O que muda, talvez, é o que resolvemos fazer com ela, ou apesar dela. A arte não acontece em um lugar místico onde se conseguiu superar todas as inconveniências humanas. A arte acontece dentro da vida, com todas as suas limitações, pilhas de roupas para dobrar, e-mails para responder, medo de fracassar de novo e de novo. Nosso trabalho como artistas é vasculhar o que veio no nosso pacote de estar vivos e tentar transformar em algo que dê significado a tudo isso. Pelo que você me contou, posso dizer com tranquilidade que você já tem o que é necessário para continuar.
Um beijo,
Aline Valek.