Oi, curiosa, tudo bem?


Que bom que você é curiosa. Somos dois. Ser curioso é uma qualidade daquelas. Buscar e experimentar coisas novas é o ponto de partida da nossa conversa.


Arte não é uma ciência exata, por isso não existe um padrão ou modelo predeterminado. Cada pessoa vai experimentar um processo distinto e único. Então, não precisa seguir todas as instruções e dicas da minha cartinha.


Não tem idade para começar. Pode ser de zero a 100 anos. Tanto faz. Tente não buscar respostas ou certezas. A dúvida caminha de mãos dadas com a arte. Fuja, drible, com unhas e dentes, as certezas. A convicção é uma pedra gigante que esmaga a arte impiedosamente.


Não vou mentir. Produzir arte dá trabalho sim. Mas é gostoso e compensa. Ah, e tente não se comparar aos outros, tipo “Fulano só tem 17 anos e faz coisas incríveis, tem um emprego excelente, blá-blá-blá”. Digo por experiência própria. As comparações, além de não me ajudarem em nada, me encheram de angústia.


Não se preocupe com os resultados. Deixe isso para depois. Os frutos acabam vindo por si sós. A busca é fundamental no processo. Nunca é perda de tempo. Quando a busca termina, a arte morre.


Até hoje, aos 60 anos, busco estilos diferentes e novas formas de expressão. Isso é prazeroso como uma brisa fresca. Às vezes gosto do resultado das coisas que faço, outras vezes odeio. Faz parte, não tem jeito.

A gente dá os primeiros passos sem saber que está dando os primeiros passos. É natural e inconsciente como quando um bebê aprende a caminhar.


Desde pequeno, eu adorava desenhar. Nada me escapava: muros, areia da praia, vidro embaçado, caderno escolar. Às vezes, quando não tinha nenhum material à mão, desenhava com o indicador no ar, desfrutando o rastro que o dedo deixava.


Na adolescência, resolvi levar o negócio mais a sério. Comecei a comprar materiais melhores e a buscar referências de cartunistas. Comprei livros e revistas — não havia internet na época — dos meus autores preferidos. E passava as tardes copiando Henfil, Jaguar, Angeli, Wolinski, entre outros. É parte fundamental do aprendizado. Só quem copia vai ter ferramentas e influências. Ser completamente original é um papo meio bobo e inútil. As artes e seus autores dialogam entre si.


Se na minha trajetória rolou medo ou insegurança? Rolou. E muito. Se tive vontade de desistir? Tive, mas felizmente foram poucas vezes. Segurança e certeza são inimigas da arte.


Não precisa ter “dom” ou “talento”. Uma técnica suprema não garante um bom resultado. Algumas vezes, o virtuosismo pode até atrapalhar. No rock, temos muitos exemplos. Músicos virtuosos não são garantia de uma boa música. Os punks mudaram o mundo da música mesmo sem grande conhecimento dela. Jean-Michel Basquiat foi um divisor de águas e mostrou ao mundo que a pintura não precisa ser certinha ou bonitinha. O que importa é que ela surpreenda.


Não procure, pelo menos no início, respostas, sucesso ou dinheiro. O mais importante é que você se divirta. Arte é coisa de criança, uma brincadeira.


Se você não tem muito tempo livre, procure reservar pelo menos uma hora diária para praticar. Em muitos momentos da minha vida eu trabalhava o dia inteiro, e somente à noite tinha tempo para me sentar na prancheta e rabiscar.


Aos 17 anos, fiz um cartum e tive a cara de pau de mostrar ao editor do jornal da minha cidade no interior do Rio Grande do Sul. O editor gostou, e o desenho foi publicado na edição de domingo. Não recebi nada por aquilo, mas só o fato de ver minha HQ impressa me encheu de satisfação.


O desenho tinha dois aquários, um redondo e um cúbico. No aquário redondo havia um peixe em formato de cubo, e no aquário cúbico havia um peixe redondo. Eles estavam tristes porque não se encaixavam em seus mundos. Então, tiveram uma ideia: saltaram e trocaram de aquário. E assim viveram felizes para sempre. Sei lá o significado desse cartum. Talvez eu me sentisse meio desconfortável e precisasse mudar, tomar decisões.


Todos temos algo a dizer, mesmo que seja “Não quero dizer nada”. Acredito que, em primeiro lugar, a arte é um diálogo que temos com nós mesmos. Isso é o que realmente importa. Se outros se identificarem com o que você produz, beleza.


Uma vez, um escritor me disse que livros são para ser escritos, e não para ser lidos. Acho essa frase maravilhosa. O que importa é o processo, essa conversa que temos conosco. Muitas vezes, ela é necessária e vai nos fazer bem. Como terapia.


Faça arte e tente não se preocupar com os resultados. O importante é se divertir.


Espero que minhas linhas te ajudem. Boas artes.


René Magritte, A traição das imagens, 1929

Um livro: O apanhador no campo de centeio. Um livro inspirador do norte-americano J. D. Salinger. Fácil de ler, mas cheio de mensagens profundas nas entrelinhas.


Um filme: Os incompreendidos (1959). Obra-prima do cineasta francês François Truffaut. Para assistir e desfrutar de um tempo que não existe mais: lento, ausente de tecnologia e em preto & branco.


Um artista: Jean-Michel Basquiat. Depois dele, as artes plásticas nunca mais foram as mesmas. Basquiat foi o maior responsável por transportar a crueza da arte das ruas aos grandes museus.


Um abraço do Adão Iturrusgarai