Hoje vou falar de um aprendizado que tenho tido enquanto artista e enquanto pessoa.
Demorei bastante pra entender isso, mas, desde o início desse aprendizado, uma liberdade gostosa tem tomado vida e começado a dançar dentro de mim.
Queria te dizer que não existem manuais disponíveis para o seu processo criativo. E isso não é um problema.
Sim, o seu método… sinto lhe dizer, é só seu! Incopiável, inimitável, impossível de ser encontrado em qualquer lugar a não ser dentro da sua própria experiência. E ele não é um dom, algo dado a priori, como gostam de dizer. Nada disso. Toda pessoinha precisa encontrar seu processo de organização mental para criar.
Um segredo: a imagem romantizada do artista caótico que morre cedo só funciona pra quem lucra em cima dessa morte. Não romantize o caos mental, cuide da sua cabecinha e do seu corpo, é neles que você mora!
Acredite, todo artista que conseguiu criar muito tinha, na verdade, propósito e estratégia. Não acredite na ideia do gênio! Ela não é saudável e, de novo, só beneficia a quem está fora daquela realidade.
Toda grande produção relevante vem de muito estudo, pesquisa e concentração. Mesmo que informal, mesmo que fora dos padrões convencionais, mesmo que pareça loucura. É na concentração que a gente cria os mais gostosos trabalhos.
E essa concentração é muito pessoal, única.
Hoje eu sei que cochilar no meio de um caos criativo e do cansaço mental é um método muito importante no meu processo. Sim! O cochilo é um método, e, por mais que o mundo capitalista nos diga que não, o sonho é essencial.
Não deixe de sonhar… O sonho é um canal de comunicação com você mesmo que nenhuma outra ferramenta vai te oferecer. Respeite seu sono, respeite o ato de se desligar totalmente.
Ao se religar, esteja atento. Atento ao que acontece ao seu redor, atento ao que está acontecendo no mundo, no seu bairro, na sua cidade, na sua comunidade (geográfica ou virtual). Tudo que falamos e criamos é político, é relacional, mesmo que abstrato, mesmo que muito íntimo. Poesia não é militância. Arte não é militância. Militância é militância, outra frente necessária na sociedade. Linguagens diferentes, todas importantes.
Mas toda poesia é política. O amor é político, assim como o ódio. Criar é comunicar, por isso, esteja atento ao seu redor. E se mantenha fiel ao que você acredita.
Esteja perto do que você acredita e de quem te inspira. Se não na presença física, nos livros, nos documentários. Se alimente daquilo que te fascina: isso vai te ajudar a não esquecer do que importa.
No fundo, você sabe o que precisa fazer, o que precisa falar. No fundo, você sabe o que GOSTA de fazer. E isso é só seu. Essa é sua maior potência. Só você pode fazer bem aquilo que gosta de fazer. Invista no que te dá prazer.
Brincar é essencial. Uma loa de maracatu diz: Vim de Luanda para brincar.1 Essa frase nunca saiu da minha cabeça. Sim, povos e mais povos vieram de Luanda, de Congo e Angola2, para séculos de trabalho forçado e mais bons séculos de injustiça e humilhação. Vim de Luanda para brincar. Apesar do colonialismo, apesar do capitalismo, apesar da escravidão, eu vim para brincar. Vocês querendo ou não. Eu vim para brincar. E não vou levar tão a sério seu sistema a ponto de não me divertir, dançar e viver, viver, viver…
Não vou morrer no sistema alheio. Eu vim para brincar.
Apesar dos rótulos, dos termos de mercado, das linguagens que usamos para sobreviver, eu não vou esquecer de brincar, pois é assim que faço valer o suor de quem veio antes de mim. Sorrindo. Gozando.
No fim, lembre-se da sua verdade e seja fiel a ela. Mas não esqueça de estudar: nem você nem eu inventamos a roda! Muita gente veio antes da gente, e o conhecimento é aquela coisa que nunca pode ser tirada de você. Nenhum estudo será em vão. Pesquise o que você gosta, mesmo que não seja o que o mercado está te pedindo. Criar é gerar diálogos com o que já foi feito e com o que está sendo feito no mundo. Humildade e curiosidade para conhecer o que já foi feito nunca é demais. Somos parte de uma dança maior, e nossos movimentos fazem essa dança acontecer.
1 Loa de maracatu de baque virado cantada pelo Maracatu Nação de Luanda. Em Inventário Sonoro dos Maracatus Nação de Pernambuco (2011).
2 Assim divididos geopoliticamente hoje, mas também reconhecidas como Kongo as regiões hoje chamadas de Angola, República Democrática do Congo e Congo.